4.3 Teoremas de Green, de Stokes e de Gauss - parte 3

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Definição de divergência

Sejam $D$ um aberto de $\mathbb{R}^3$ e $f = (m,n,p) : D \to \mathbb{R}^3$ diferenciável. A divergência de $f$ é

(1)
\begin{align} {\rm div}\, f := \nabla \cdot f := \frac{\partial m}{\partial x} + \frac{\partial n}{\partial y} + \frac{\partial p}{\partial z}. \end{align}

Tal como na parte 2, nesta cadeia de identidades, as duas primeiras expressões devem ser encaradas como notações ou mnemónicas para o conceito de rotacional. Em particular, na segunda expressão o símbolo $\nabla$ está a ser tratado como um vector de $\mathbb{R}^3$, mas cujas coordenadas são os operadores diferenciais $\frac{\partial}{\partial x}$, $\frac{\partial}{\partial y}$ e $\frac{\partial}{\partial z}$, em vez de números reais; no entanto, ao aplicar-se formalmente a definição de produto interno, de cada vez que um desses operadores diferenciais se junta com uma função deve encarar-se a expressão obtida como a derivada dessa função em relação à variável indicada, e não como um produto (que não faz sentido!) entre o operador diferencial e a função.

Queremos de seguida apresentar o último dos teoremas fundamentais do cálculo integral, a saber, o Teorema de Gauss (também dito da divergência), que está para os domínios em $\mathbb{R}^3$ e as superfícies que os delimitam como o Teorema de Green está para os domínios em $\mathbb{R}^2$ e as curvas que os delimitam. No entanto, não é possível apresentá-lo com o mesmo grau de generalidade que foi usado para o Teorema de Green sem investir num rol de definições que ocupariam demasiado espaço para os objectivos deste curso. Assim (e descrito em termos que, nalguns casos, não definimos anteriormente ou que não definimos com a abrangência que aqui se quer usar), para efeitos de aplicação do Teorema de Gauss (enunciado mais em baixo), suporemos que

(a) o domínio $Q \subset \mathbb{R}^3$ em causa é simultaneamente dos três tipos considerados a propósito do Teorema de Fubini, revisitado, da parte 6 da secção 2.2, i.e., é projectável em $x0y$, projectável em $x0z$ e projectável em $y0z$; verifica-se, então, que, relativamente a cada um dos tipos, a fronteira de $Q$ é formada por uma porção $superior$, uma porção $inferior$ e (eventualmente) uma porção $lateral$ (onde, no caso de domínios projectáveis em $x0z$ se considera que os adjectivos $superior$ e $inferior$ se referem às porções que utilizam os valores, respectivamente, maiores e menores de $y$; e analogamente no caso de domínios projectáveis em $y0z$, onde o que dita a distinção entre $superior$ e $inferior$ são os valores de $x$);

(b) a parametrização $r$ da fronteira de $Q$, a usar no cálculo do integral de superfície em baixo, descreve-a essencialmente uma única vez e o cálculo de

(2)
\begin{align} \int\!\!\!\int_r (m,n,p) \cdot \hat{n}\, dS \; = \; \int\!\!\!\int_r m \cos \alpha \, dS + \int\!\!\!\int_r n \cos \beta \, dS + \int\!\!\!\int_r p \cos \gamma \, dS, \end{align}

onde $\hat{n} = (\cos \alpha, \cos \beta, \cos \gamma)$ aponta para fora de $Q$, pode ser feito da seguinte maneira:

  • no caso do 1º integral no membro direito em cima, olha-se para $Q$ como projectável em $y0z$,
(3)
\begin{align} Q = \{ (x,y,z) \in \mathbb{R}^3 : (y,z) \in D \, \wedge \, x \in [\phi_1(y,z),\phi_2(y,z)] \}, \end{align}

e calcula-se o integral como a soma de três integrais, onde, em cada um deles, $r$ só descreva a parte superior, ou só a parte inferior, ou só a parte lateral da fronteira de $Q$; na parte lateral ter-se-á que $\cos \alpha$ vale 0, logo o respectivo integral valerá zero; para as partes superior e inferior supor-se-á que, em vez de $r$, se poderão usar as parametrizações canónicas $(y,z) \mapsto (y,z,\phi_2(y,z))$ e $(z,y) \mapsto (y,z,\phi_1(y,z))$ (na última trocou-se a ordem das variáveis $y$ e $z$ para que o vector normal aponte no sentido que se pretende);

  • no caso dos 2º e 3º integrais no membro direito de (2), olha-se para $Q$ respectivamente como projectável em $x0z$ e projectável em $x0y$ e supõe-se que estes integrais se podem calcular através de um procedimento análogo ao acabado de descrever, mutatis mutandis.

Proposição (Teorema de Gauss, ou da divergência)

Sejam $Q$ e $r$ tal como acabado de expor. Se $f = (m,n,p) : Q \to \mathbb{R}^3$ for continuamente diferenciável, então

(4)
\begin{align} \int\!\!\!\int\!\!\!\int_Q {\rm div}\, f(x,y,z) \, dx\,dy\,dz \, = \, \int\!\!\!\int_r f \cdot \hat{n}\, dS. \end{align}

Exercício

Admitindo que o Teorema de Gauss é aplicável, determine o fluxo de $f(x,y,z) := (0,0,z)$ através da fronteira do sólido delimitado superiormente por $z = 1-x^2-y^2$ e inferiormente por $z=-\sqrt{1-x^2-y^2}$, no sentido do interior para o exterior do sólido. Depois verifique o resultado fazendo o cálculo directo do fluxo.


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