3.2 Superfícies e seus integrais - parte 4

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Após os exemplos anteriores e a comparação com a formalização feita para curvas e suas representações paramétricas no capítulo 1, está na hora de passarmos a formalização correspondente à volta da noção de superfície. Uma das dificuldades para o fazer é arranjar um substituto adequado para o intervalo que servia de domínio no caso de parametrizações de curvas. Para o efeito, precisamos de três definições preliminares:

Definição de conexo por arcos (ou caminhos)

Diz-se que um subconjunto $A$ de $\mathbb{R}^n$ é conexo por arcos (ou por caminhos) se, dados quaisquer dois pontos $a,b \in A$, existe um caminho $c : [t_0,t_1] \to A$ tal que $c(t_0)=a$ e $c(t_1)=b$. Diz-se que um tal caminho une $a$ a $b$.

Definições de curva e de caminho fechados simples

Uma curva $C$ diz-se fechada simples se for a imagem de um caminho $r : [a,b] \to \mathbb{R}^n$ injectivo em $[a,b[$ e tal que $r(a) = r(b)$. Um tal caminho (ou parametrização de $C$) diz-se também fechado simples.

Definição de domínio de parametrização

Diz-se que um subconjunto não vazio $D$ de $\mathbb{R}^2$ é um domínio de parametrização se for um conexo por arcos tal que $D \subset \overline{{\rm int} \, D}$ e cuja fronteira seja uma união finita de curvas fechadas simples que não se intersectam.

Definições de superfície parametrizada e de superfície

Seja $D \subset \mathbb{R}^2$ um domínio de parametrização. Uma aplicação contínua $r : D \to \mathbb{R}^3$ diz-se uma superfície parametrizada. E à imagem $S := r(D)$ de $r$ dá-se, então, o nome de superfície, a qual se dirá descrita por $r$. Por sua vez, dir-se-á também que $r$ é uma parametrização da superfície $S$.

Observe-se que, tal como para caminhos e curvas, distingue-se aqui a aplicação (a superfície parametrizada) da sua imagem (a superfície).

Todas as parametrizações consideradas nas partes anteriores desta secção são exemplos de superfícies parametrizadas.

Vejamos agora como obter planos tangentes em pontos de tais superfícies:

Considere-se uma superfície parametrizada $r := (x,y,z) : D \subset \mathbb{R}^2 \to \mathbb{R}^3$ e um ponto $a \in {\rm int}\, D$ onde $r$ é diferenciável. Seja $\alpha := (u,v) : I \subset \mathbb{R} \to D$ um caminho diferenciável em $t_0$ tal que $t_0 \in {\rm int}\, I$ e $\alpha(t_0)=a$. Então

(1)
\begin{align} \rho := r \circ \alpha : I \to \mathbb{R}^3 \end{align}

é um caminho que traça uma curva na superfície $r(D)$. Além disso, pela regra da cadeia, é diferenciável em $t_0$ e

(2)
\begin{align} \rho'(t_0) = r'(a) \, \alpha'(t_0), \end{align}

onde, de acordo com a convenção feita a propósito da definição geral de diferenciabilidade, no membro direito está a fazer-se o produto da matriz ($3 \times 2$) $r'(a)$ pela matriz ($2 \times 1$) $\alpha'(t_0)$, resultando daí uma matriz ($3 \times 1$) para $\rho'(t_0)$. Se se fizerem os cálculos com detalhe e se voltar a escrever $\rho'(t_0)$ como vector, obtém-se

(3)
\begin{align} \rho'(t_0) = \frac{du}{dt}(t_0) \frac{\partial r}{\partial u}(a) + \frac{dv}{dt}(t_0) \frac{\partial r}{\partial v}(a) \end{align}

(recorde a definição geral de derivada parcial). Assim, qualquer curva em $r(D)$ que seja traçada por este processo passa por $r(a)$ e tem aí como vector tangente uma combinação linear dos vectores

(4)
\begin{align} \frac{\partial r}{\partial u}(a) \quad \mbox{e} \quad \frac{\partial r}{\partial v}(a), \end{align}

os quais dependem somente de $r$ e de $a$. No caso de estes vectores serem linearmente independentes (ou seja, caso o produto vectorial dos dois seja diferente de zero), estes vectores definem (juntamente com $r(a)$) um plano que diremos tangente a $r$ em $r(a)$, ou tangente a $r(D)$ em $r(a)$, admitindo que o conceito é independente da parametrização $r$ (o que aceitaremos sem mais discussão1). Em suma:

Definição de plano tangente a superfície (parametrizada)

Sejam $r(D)$ uma superfície descrita por $r$, de acordo com o que acabou de se explicar, e $a \in {\rm int}\, D$. Se $r$ for diferenciável em $a$ e se $\frac{\partial r}{\partial u}(a) \times \frac{\partial r}{\partial v}(a) \not= 0$, diz-se que o plano que passa por $r(a)$ e é ortogonal a $\frac{\partial r}{\partial u}(a) \times \frac{\partial r}{\partial v}(a)$ é o plano tangente a $r(D)$ em $r(a)$. Diz-se então também que $\frac{\partial r}{\partial u}(a) \times \frac{\partial r}{\partial v}(a)$ é um vector normal a $r(D)$ em $r(a)$.

Exercício

Mostre que a definição anteriormente dada de plano tangente a gráfico de função $z=f(x,y)$ é um caso particular da definição em cima, escolhendo a parametrização $r(x,y) := (x,y,f(x,y))$ e verificando que, em cada ponto $(x_0,y_0)$ de diferenciabilidade de $f$,

(5)
\begin{align} \frac{\partial r}{\partial x}(x_0,y_0) \times \frac{\partial r}{\partial y}(x_0,y_0) = (-f_x (x_0,y_0), -f_y (x_0,y_0),1). \end{align}


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